Se no passado apoiaram a ditadura, hoje eles a rejeitam, porque prejudicaria seus negócios. Menos mal que seja assim
Foto: Orlando Brito |
Por Ricardo Noblat
Quatro parágrafos, 183 palavras e um sujeito oculto, o presidente Jair Bolsonaro, que a covardia do texto subscrito por mais de 200 entidades do setor produtivo brasileiro esmerou-se em esconder.
Os dois primeiros parágrafos equivalem ao que no jornalismo se chama de “nariz de cera” – um tipo de introdução perfeitamente dispensável que só retarda a abordagem do assunto.
E aí já foram para o lixo 77 do total de palavras. As demais falam em “escalada de tensões e hostilidades entre autoridades públicas” e defendem a “pacificação política” e a “estabilidade institucional”.
Quem tem promovido a escalada de tensões? Fica no ar. Os bolsonaristas poderão dizer que é o Supremo Tribunal Federal, a oposição ao governo que é Bolsonaro.
“O momento exige de todos serenidade”, diz o texto, como se estivesse faltando serenidade aos três Poderes da República. Não é o que se vê. É o presidente quem toca fogo no país.
Nenhuma voz do Congresso e da Justiça reclamou do texto. Bolsonaro vestiu a carapuça, sua tropa entrou em campo e o texto acabou engavetado a pretexto de angariar mais assinaturas.
Esperar-se o que do coordenador do manifesto, o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, Paulo Skaf, que até outro dia comportava-se como candidato de Bolsonaro ao Senado?
Agora, Skaf pretende ser candidato de Geraldo Alckmin ao Senado. Alckmin está de saída do PSDB para o PSD de Gilberto Kassab, que entre Lula e Bolsonaro votaria em Lula.
De empresários e banqueiros deste país não se espere outra coisa senão vassalagem ao presidente da República, seja ele qual for. Só deixam de babá-lo quando pressentem sua queda.
Foi assim com Collor, foi assim também com Dilma. Correram atrás de Lula para suplicar-lhe que fosse candidato outra vez em 2014 porque Dilma era mais refratária aos seus pedidos, Lula não.
O compromisso da maioria deles não tem sido ao longo da história com a democracia, mas com o sucesso dos seus negócios. Acumulação acima de tudo! Às favas todos os escrúpulos!
Apoiaram Bolsonaro em 2018 mesmo sabendo de quem se tratava. Para justificar o voto, diziam acreditar que ele se converteria ao liberalismo por obra e graça do futuro ministro da Economia.
Fingiram que estavam diante de um político apenas conservador e não de um reacionário órfão da ditadura de 64. E se fosse mesmo órfão? Eles não apoiaram a ditadura até ela se esgotar?
O fracasso do governante que elegeram ameaça o negócio de cada um deles, daí a chiadeira, daí o medo do golpe anunciado. Se o golpe no passado os beneficiou, hoje os prejudicaria.
São democratas de ocasião. Menos mal que sejam.
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